DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE TESOUROS NUMISMÁTICOS ACHADOS: UMA PERSPECTIVA LEGAL

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Guilherme Henrique de Oliveira Santos

Introdução: Explorando os Limites do Direito de Propriedade sobre Tesouros Numismáticos Achados

No contexto jurídico, o direito de propriedade é um dos pilares fundamentais que regem as relações entre os indivíduos e seus bens. No entanto, quando nos deparamos com tesouros numismáticos achados, uma série de questões complexas e nuances legais emergem, desafiando as concepções tradicionais de propriedade e posse.

Este artigo busca explorar detalhadamente o tema do direito de propriedade sobre tesouros numismáticos encontrados, mergulhando nas interpretações legais, precedentes históricos e implicações práticas desse cenário jurídico particular. Ao longo deste trabalho, examinaremos não apenas as disposições legais pertinentes, mas também as questões éticas, culturais e históricas que permeiam esse campo.

Inicialmente, será apresentada uma análise abrangente do conceito de propriedade, destacando as distinções entre propriedade e posse, bem como as disposições legais relevantes do Código Civil brasileiro. Em seguida, adentraremos no âmbito dos tesouros numismáticos, delineando criteriosamente os critérios que os distinguem de objetos comuns encontrados e as implicações legais dessa distinção.

Uma diferenciação crucial será estabelecida entre tesouros, conforme definidos pelo artigo 1.264 do Código Civil, e coisas achadas comuns, regidas pelos artigos 1233 e 1234, explorando as nuances legais e as consequências jurídicas associadas a cada categoria. Além disso, será discutido o papel do “achádego” e seus direitos no contexto da descoberta e devolução de objetos perdidos.

Analisaremos um exemplo prático envolvendo os detectoristas de metais, examinando se os objetos encontrados por eles devem ser classificados como tesouros ou simplesmente coisas achadas comuns.

Por fim, abordaremos as questões mais complexas que surgem quando o direito de propriedade sobre tesouros numismáticos entra em conflito com considerações de valor histórico, cultural e documental. Examinaremos como as autoridades responsáveis pela proteção do patrimônio histórico intervêm nesses casos e as possíveis ramificações legais para os descobridores e proprietários desses tesouros.

Em suma, este artigo oferece uma análise abrangente e detalhada do direito de propriedade sobre tesouros numismáticos achados, destacando suas complexidades legais e éticas e explorando as interseções entre direito, história e cultura que permeiam esse fascinante campo jurídico.

DO DIREITO DE PROPRIEDADE

No contexto jurídico, o conceito de propriedade refere-se ao controle exercido sobre determinado bem, diferenciando-se da posse, que nem sempre inclui a faculdade de realizar transformações, alienações ou ter domínio por tempo indeterminado. A propriedade pode ser móvel ou imóvel, sendo este último o foco deste artigo, abrangendo terrenos, edificações, entre outros. O Código Civil brasileiro assegura o direito de exploração da propriedade imóvel, incluindo a exploração mineral, construção, plantação e direito sobre frutos fortuitos, como os tesouros achados. A legislação vigente exemplifica isso em seus artigos, tais como:

Art. 1230, Parágrafo único: “O proprietário do solo tem direito de explorar os recursos minerais, de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos à transformação industrial. Obedecido o disposto em lei especial.” (Código Civil, 2002).

Art. 1232: “Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem.” (Código Civil, 2002).

Dessa forma, aquele que encontra algo em seu próprio terreno possui pleno direito sobre o objeto, desde que não se conheça o dono ou que o objeto seja um tesouro. Mas o que exatamente constitui um tesouro?

DOS TESOUROS NUMISMÁTICOS ACHADOS

Embora sejam frequentemente retratados na ficção, os tesouros também têm sua presença ocasional na realidade. Os tesouros numismáticos, em particular, consistem em moedas antigas, medalhas ou outros objetos de valor histórico e numismático, sem lembrança de seu proprietário original, e não necessariamente encontrados em pluralidade. Eles são um exemplo vívido de tesouros que podem ser descobertos, muitas vezes enterrados ou ocultos por razões diversas ao longo do tempo.

É crucial distinguir entre tesouros e objetos comuns encontrados. Enquanto os últimos podem ter um proprietário legítimo, um tesouro numismático nunca o possui. Como estabeleceu o Código Civil de 1916, “Deixa de se considerar tesouro o depósito achado se alguém mostrar que lhe pertence.” Para que algo seja considerado um tesouro numismático, devem ser atendidos alguns critérios estabelecidos pela lei. Assim entende a doutrina:

Para a caracterização do tesouro, devem estar presentes, de acordo com a lei, os seguintes requisitos: (1) ser um depósito de coisas móveis de certo valor, decorrente de ato voluntário; (2) a coisa encontrada deve estar enterrada ou oculta; (3) deve ser tão antigo de molde a não existir notícia de sua origem ou propriedade. É necessário que se trate de coisa sem dono. VENOSA, Silvio de Salvo, p. 299. 2003.

Assim dispõe o Código Civil de 2002:

Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente.

Art. 1.265. O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado.

Art. 1.266. Achando-se em terreno aforado, o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor.


Desse modo, se algo é encontrado com intenção, é considerado uma descoberta e não uma simples aquisição. Portanto, é fundamental não apenas descobrir um tesouro, mas também achá-lo, já que o Código Civil utiliza o verbo “achar”, não “descobrir”. Isso implica que os caçadores de tesouros, como mergulhadores que exploram naufrágios, não podem ser legalmente considerados como tal, já que procuram conscientemente por objetos cuja existência já conhecem.

DA COISA ACHADA E O DIREITO DE ACHÁDEGO

Antes de prosseguirmos, necessário se faz realizar uma diferenciação entre os tesouros e as coisas achadas comuns. A diferença entre o tesouro mencionado no artigo 1232 do Código Civil e a coisa achada tratada nos artigos 1233 e 1234 reside principalmente na natureza e nas circunstâncias em que são encontrados, bem como nas consequências jurídicas associadas a cada um:

Tesouro (Artigo 1.264, CC):

Como já demonstrado, o tesouro referido no artigo 1.264, CC, é uma categoria específica de propriedade encontrada em terrenos próprios ou alheios. Caracteriza-se por ser um depósito de objetos móveis de certo valor, resultante de um ato voluntário, como enterrar ou ocultar. Esses objetos geralmente têm uma significância histórica, cultural ou monetária considerável.

O tesouro deve estar enterrado ou oculto e ser antigo o suficiente para não existir notícia de sua origem ou propriedade. Além disso, deve ser uma coisa sem dono conhecido.

O proprietário do terreno onde o tesouro é encontrado tem direito à metade do valor do achado, enquanto o descobridor casual recebe a outra metade, conforme estipulado no artigo 1264 do Código Civil.

Coisa Achada (Artigos 1233 e 1234):

A coisa achada referida nos artigos 1233 e 1234 abrange qualquer objeto perdido que seja encontrado por alguém. Não se limita apenas a tesouros ou objetos de valor histórico, mas pode incluir uma variedade de itens.

O achador tem a obrigação de tentar restituir a coisa ao seu dono ou legítimo possuidor. Se não for possível encontrar o dono, a coisa deve ser entregue à autoridade competente.

O achador tem direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do valor da coisa encontrada, além de ser indenizado pelas despesas de conservação e transporte, conforme estabelecido no artigo 1234.

Achádego:

O “achádego” refere-se ao direito do descobridor de uma coisa perdida receber uma recompensa, conforme estabelecido nos artigos 1233 e 1234 do Código Civil. Esse direito surge quando alguém encontra e restitui uma coisa perdida ao seu proprietário ou entrega-a à autoridade competente. A recompensa mínima é de cinco por cento do valor da coisa encontrada, e o achador também tem direito a ser indenizado pelas despesas de conservação e transporte da coisa. Esse mecanismo visa incentivar a devolução de objetos perdidos e recompensar aqueles que agem com boa-fé nesse contexto.

DOS DETECTORISTAS DE METAIS

Os detectoristas de metais são entusiastas que saem em campo equipados com detectores para encontrar moedas e outros artefatos. No contexto legal, a classificação dos objetos encontrados por eles pode variar. Se os objetos atenderem aos critérios de um tesouro numismático, o descobridor terá direito à propriedade, seguindo as normas estabelecidas pelo Código Civil. Por outro lado, se os objetos forem considerados simples coisas achadas, o detectorista terá a obrigação de tentar restituí-los ao proprietário legítimo ou entregá-los à autoridade competente, conforme previsto na legislação vigente.

A priori, os objetos encontrados pelos detectoristas não seriam considerados tesouros, pois falta o requisito da casualidade exigida pelo art. 1.264 do Código Civil. Portanto, esses objetos seriam enquadrados como coisas achadas comuns, reguladas pelos artigos 1.232 e 1.233 do mesmo código.

Por outro lado, é possível argumentar que existe, sim, casualidade nas descobertas dos detectoristas. Quando saem em busca de moedas, eles não têm garantia de encontrar algo específico, e a descoberta de artefatos é sempre uma surpresa. Nesse sentido, cada achado é casual, o que poderia justificar a classificação desses objetos como tesouros, sujeitos aos direitos e obrigações estabelecidos pelos artigos 1.264 a 1.266 do Código Civil.

DO DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE TESOUROS NUMISMÁTICOS ACHADOS

Como já mencionado, a exploração do solo é um direito garantido pela propriedade. Aquele que encontra um tesouro numismático em seu próprio terreno tem pleno direito de propriedade sobre ele. Se o tesouro for encontrado em terreno alheio, deve ser dividido igualmente com o proprietário, conforme estabelece o artigo 1264 do Código Civil.

No entanto, se o proprietário contratar alguém para encontrar o tesouro, este deixa de ser considerado um tesouro, e o proprietário não é mais obrigado a dividir o valor encontrado, mas sim o que foi previamente acordado em contrato. Apesar de perder sua definição de tesouro, o proprietário continua tendo direitos sobre a coisa, já que o verdadeiro dono é desconhecido. Se, porventura, o tesouro tiver um dono, ele deixa de ser considerado como tal. Nesse caso, o inventor e o proprietário do terreno perderiam seus direitos de propriedade sobre o achado e receberiam apenas uma recompensa, de acordo com os artigos 1233 a 1237 do Código Civil. Se o inventor se apropriar inteiramente do tesouro encontrado em terreno alheio, isso pode ser qualificado como crime, conforme o artigo 169, CP, I. Da mesma forma, se o legítimo dono do tesouro em terreno próprio desejar recuperá-lo e o descobridor se recusar a entregá-lo, ele estará sujeito às sanções do artigo 169, CP, II.

DO DIREITO DE PROPRIEDADE LEGÍTIMA E O PAPEL DA NUMISMÁTICA

Inicialmente, é importante destacar que a Constituição Federal aborda o patrimônio histórico e cultural de forma limitada e vaga em algumas de suas disposições, como nos artigos 5º, LXXIII, 24, VII, 30 IX, 215, I e 216. Essa falta de definição clara cria uma lacuna jurídica que pode resultar em incertezas e arbitrariedades por parte do Estado, especialmente para os detentores de tesouros numismáticos.


Caso um conjunto de moedas antigas seja encontrado e seu proprietário seja desconhecido, pode-se considerá-lo um tesouro numismático, conferindo ao descobridor o direito de propriedade sobre o mesmo. No entanto, se esse objeto for tão antigo a ponto de ser considerado um patrimônio histórico, a situação se complica. Patrimônio histórico engloba bens produzidos por sociedades do passado que hoje possuem valor social, cultural ou documental. Assim, qualquer tesouro encontrado pode ser transformado em patrimônio histórico pelas autoridades responsáveis pela proteção do patrimônio histórico, como a UNESCO (a nível mundial) e o IPHAN (no Brasil). Nesse caso, os descobridores perdem seus direitos de propriedade sobre os tesouros, que passam a ser tutelados pelos órgãos competentes.

Por exemplo, em situações em que um colecionador amador descobre um grande conjunto de moedas antigas, pode haver uma interseção entre o direito de propriedade e os interesses da numismática. Enquanto o descobridor pode reivindicar a propriedade das moedas, instituições numismáticas ou museus podem argumentar que esses artefatos têm um valor histórico significativo e devem ser preservados para o benefício da sociedade como um todo. Nesses casos, a legislação e jurisprudência frequentemente pesam os direitos do descobridor em relação ao valor histórico e cultural das moedas em questão.

CONCLUSÃO

O direito de propriedade sobre tesouros numismáticos achados é uma realidade, sujeita a determinadas condições, oferecendo oportunidades para ampliar o uso da propriedade e colher frutos inesperados. No entanto, essa questão também envolve considerações sobre o valor histórico e cultural dos objetos encontrados, especialmente quando se trata de artefatos numismáticos. A numismática desempenha um papel crucial ao estudar e preservar esses tesouros, garantindo que seu valor seja reconhecido e apreciado por gerações futuras.

AULA MINISTRADA PARA A SOCIEDADE NUMISMÁTICA BRASILEIRA

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